domingo, 9 de novembro de 2008

Uma análise sobre a animação "Robôs"

[Trabalho de Sociologia - achei que ficou bom o suficiente pra ser postado aqui.]
É... Deane está me fazendo pensar =P
À primeira vista, a animação gráfica “Robôs” pode soar como uma inocente história de cunho moral para crianças. O filme, contudo, carrega nas entrelinhas uma forte carga crítica à nossa sociedade – que só se pode notar com alguma bagagem teórica sobre o assunto.

O filme começa introduzindo a história do Robô Rodney Lataria, desde seu “nascimento” até sua vida presente. Paralela à história de Rodney, vemos também a história de seu pai, um robô cuja função é a de lavador de pratos em um simplório restaurante. Nesse momento, percebemos que o contexto da vida desse robô e da infância de Rodney é o que Bowman descreve como “capitalismo pesado”.

O pai de Rodney desejava ser músico. Entretanto, buscando a estabilidade social (ainda que precária), ele se vê forçado a ser um lavador de pratos até o fim de sua vida – sua herança social a ser cumprida. Porque nesse capitalismo pesado estavam incutidas as idéias de permanência, estabilidade, continuidade.

O capitalismo pesado, dotado dessa ideologia, reduziu o homem a um meio de produção, e a natureza a uma ferramenta de produção, atacando tanto sua própria substância como sua relação mútua. Reduziu pessoas competentes a porcas e parafusos de uma máquina monstruosa, barulhenta e imensa, que não fazia outra coisa que não desgastar lentamente todos seus parafusos e porcas. É nesse contexto que Rodney se desenvolve, vendo seu pai definhar lentamente, consumido pelas engrenagens do sistema vigente.

Essa sociedade do capitalismo pesado possuía um líder, o Grande Soldador. Ele não deve ser visto como um líder exemplar, considerando que seu papel se resumia a dar alguma esperança àquela população, reparando suas peças, sob o lema de “você pode brilhar, não importa do que seja feito”.

Rodney cresce – sempre com peças remanufaturadas – visionário e tendo a figura do Grande Soldador como seu exemplo. Quando seu pai mostra sinais claros de desgaste, Rodney decide ir a Robópolis – a grande metrópole dos robôs – em busca do Grande Soldador e de uma mudança em seu destino; ele, afinal, não aceitaria uma vida como lavador de pratos.

Concomitantemente à insignificante transição de Rodney está a transição de todo um sistema. Dom Aço, o robô que ficou a cargo das indústrias do Grande Soldador, começou a notar que a sociedade estava estagnada, já havia atingido seu ápice lucrativo, e decidiu que uma reforma era necessária. É nesse momento que podemos destacar o texto de Savana Melo. A plasticidade do capitalismo é tamanha que, ao se adaptar a uma nova realidade, ele moldou não somente a si mesmo, mas também a própria sociedade – o momento em que Dom Aço faz com que os robôs acreditem que eles desejam aquelas mudanças (que eram completamente desnecessárias), sob a bandeira de: “por que ser você mesmo quando você pode ser novo?”.

Para os robôs que se recusavam a aderir à nova ordem social (ou não podiam pagar por ela) eram submetidos a uma verdadeira “limpeza social”, e eram forçados a fugir e viver à margem da sociedade para não serem transformados em sucata.

Esse novo capitalismo, chamado por Bowman de “capitalismo leve”, rompeu com todos os laços existentes com o passado, adotando uma política de constante inovação, de caráter estético e efêmero. É nesse momento que os robôs (em especial Rodney), passageiros daquele avião da nova sociedade que se construía, descobriram-se sem um piloto – sem um líder. Não havia mais a figura do Grande Soldador, e Dom Aço se assemelhava mais a um algoz do que a um líder.

É com muita dificuldade que Rodney – produto daquela sociedade inconstante, sem raízes – propõe uma movimentação daqueles robôs marginais, reestruturando a moral do Grande Soldador como líder e trazendo a estabilidade de volta àquela sociedade tão instável.

O filme traz um final otimista. Mas, ainda assim, é um bom exemplo. Sobre o que significa ser humano. Em uma cidade. Em um país. Em transição. Em uma massa. Transformado pela ciência. E sob um poder organizado. Sujeitado a controles tremendos, em uma condição causada pela mecanização. Depois de uma tardia falha de esperanças radicais. Em uma sociedade que não é uma comunidade, que desvalorizou as pessoas. Pertencendo a um poder feito de números multiplicáveis que tornou o “eu” algo negligenciável. Que permitiu selvageria e barbarismo em suas próprias metrópoles. A bela supermaquinização que proporciona uma nova vida à população imensurável. Que lhes nega o direito de viver. Que lhes pede para trabalhar e morrer de fome enquanto outros gozam dos valores tradicionais.
Um bom exemplo de como funcionam as coisas.