domingo, 8 de novembro de 2009

Concomitante

Tempus fugit.
Enquanto marmanjos bradam gols e batem suas canecas sobre os balcões. Enquanto mães são puxadas por crianças deslumbradas pela rubra decoração de Natal. Enquanto Papais-Noéis suam debaixo das falsas barbas em roupas que não condizem com o clima tropical. Enquanto dedos deslizam nervosos pelas letras, numa falha tentativa de acompanhar o pensamento. Enquanto vozes gemem, arranhando as gargantas. Enquanto pulmões tragam fumaças de cigarro. De monóxidos e dióxidos.
Tempus frangit.
Enquanto as vidas percorrem lenta e inevitavelmente caminhos que se cruzam, descruzam, entrelaçam e desenlaçam.
Até caírem, mais cedo ou mais tarde, no fosso fétido e inevitável da morte.
Enquanto astrólogos tentam interpretar. Enquanto filósofos tentam determinar o propósito.
Enquanto a natureza se ri desses pequenos instetos racionais.
Não há motivos para o caos.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Angústia

Todos entendem fome, doença, pobreza, escravidão e tortura, mas ninguém seria capaz de entender que, no momento em que cruzei a rua com todos esses privilégios – de não sentir fome, não ser presa ou torturada – era apenas mais uma forma sutil de tortura.
Eles me foram dados, um lar, uma família, comida, amores... como uma miragem.
Dados e negados.
Estavam presentes aos olhos de quem me dizia “como você tem sorte”, mas invisíveis para mim, porque a agonia, este veneno misterioso, corroeu todos eles: distorceu os relacionamentos, apodreceu a comida, assombrou o lar, instalou a guerra onde antes havia paz, tortura onde não havia instrumentos, e inimigos onde antes não havia ninguém contra quem lutar.
A angústia é essa mulher muda que grita em meus pesadelos.